Por: João Carlos Campanini
- Introdução
Vem de longe a necessidade de melhor regulamentar a atuação do acusado quando da decretação de sua prisão preventiva.
Hipóteses de autoritarismo líquido, estado policial e processo penal de exceção, que desencadeiam no encarceramento em massa, aliados à pouco cumprimento das leis pelas autoridades, acabam transformando a prisão preventiva em prisão punitiva. Dessa forma, com a diuturna violação dos mais valiosos princípios de direitos humanos fundamentais, é necessário melhor regulamentar a legislação processual penal do país para que, efetivamente, o acusado tenha voz e seja ouvido diante do seu encarceramento provisório.
- Desenvolvimento
Renato de Oliveira Furtado, em seu artigo: “A prisão preventiva e o contraditório como regra”[1], comenta ser do estadista Sólon a afirmação de que a sociedade está bem governada quando os cidadãos obedecem aos magistrados e os magistrados obedecem às leis. Embora a regra seja clara, observa que poucos juízes criminais a cumprem.
A regra que nos referimos está insculpida no artigo 282 do Código de Processo Penal, em especial no seu § 3º, que, presente no capítulo I (disposições gerais) do título IX, assim determina:
TÍTULO IX
DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA
(Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
- 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.
- 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
- 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional.(Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
- 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do art. 312 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
- 5º O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
- 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Como previsto, após a decretação da prisão preventiva, existe a obrigatoriedade do juiz notificar o preso em 5 (cinco) dias sobre a situação, encaminhando-lhe cópia das principais peças do feito que ordenou a medida extrema.
Sabemos que para a decretação da prisão preventiva não há, e nem deve haver, comunicação ao apreendido ou ao seu advogado antes do cumprimento efetivo do mandado prisional, uma vez que tal informação, efetivamente representaria inocuidade da medida, haja vista que o cidadão a ser preso pode furtar-se à medida empreendendo fuga ou, com preparação, resistir à prisão atacando os agentes policiais responsáveis pelo cumprimento da ordem judicial.
Em contrapartida, após ter contra si o efetivo cumprimento da ordem de prisão com o seu aprisionamento, possui o direito de que, em no máximo cinco dias, tenha um defensor, ainda que público, acompanhando o desenrolar da medida para o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Infelizmente a ausência de boa técnica de redação legislativa em nosso país é um problema antigo e sempre preocupante. Outro problema, aliado a esse fato, é a falta de pesquisa por parte dos atores processuais das exposições de motivos das leis, exegese necessária para se entender a fundo “o que a sociedade desejava” na época da confecção daquela norma, qual era sua necessidade e quais seus limites necessários.
Por conta desses problemas, o inicio do § 3º do referido artigo 282 – “Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida” – acaba por ser interpretado sempre em prejuízo do acusado, uma vez que a interpretação feita nesse caso diz respeito ao momento anterior da decretação da prisão, conforme citamos acima, realmente ato com necessidade de urgência e sigilo, para não causar sua inocuidade. Na prática, todos os casos de decretação de prisão cautelar seguem tal “regra” do caráter sigiloso e não contemplam expressamente a abertura posterior do quinquídio legal para que o encarcerado possa se manifestar.
- A teoria da dissonância cognitiva e a falta de contraditório para se analisar a prova da existência do crime
No belíssimo artigo: “O JUIZ DAS GARANTIAS NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA HIPÓTESE DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO DURANTE O INQUÉRITO, E À LUZ DO ENTENDIMENTO DA CORTE INTERAMERICANA, SOBRE PERDA DA PARCIALIDADE DO MAGISTRADO”, Claudio José Langroiva Pereira e Alvaro Augusto M.V. Orione Souza, durante produção intelectual do Grupo de Pesquisa “Políticas Públicas de Segurança e Direitos Humanos” da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sustentam sobre a problemática da decretação da prisão preventiva frente à análise perfunctória do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim descreve:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (negritos nossos)
Analisando a norma em questão, resta evidente que, sem qualquer direito de resposta do acusado, o juiz, ao decretar a prisão, acaba por fazer uma análise do mérito dos fatos, não só analisando a fumaça dos “indícios da autoria” do crime, mas também analisando a prova da existência do delito, em manifesta incompatibilidade lógica com os incisos I (estar provada a inexistência do fato), II (não haver prova da existência do fato) e III (não constituir o fato infração penal) do artigo 386 do Código de Processo Penal, que prevê as hipóteses legais em que o réu deve ser absolvido.
Percebe-se claramente que o magistrado, ao decretar a prisão, embalado pela “segurança” que possui nas fontes de informação de agentes públicos de sua confiança (Delegado de Polícia com seu relatório no inquérito ou Promotor/Procurador de Justiça com seu pleito de prisão e a própria denúncia), forma sua convicção de que o fato, efetivamente, é criminoso e existiu.
E como fica a situação do acusado preso que possui provas da inexistência do fato ou mesmo que tal fato não pode ser considerado delituoso, se não for devidamente notificado pelo juízo sobre as razões de sua prisão, não possuir renda suficiente para constituir advogado particular e, pelo fato da negativa pelo Estado de cumprir o quinquídio da norma, não ser encaminhado para a Defensoria Pública? Respondemos: permanecerá encarcerado ao menos até que uma primeira audiência judicial ocorra ou até que consiga, nos casos de prisão durante a investigação, demonstrar à autoridade policial o descabimento de sua custódia cautelar.
De antemão, o leitor deste artigo pode ficar se perguntando: e as audiências de custódia, agora presentes em quase todo o território nacional que levam as pessoas presas em até vinte e quatro horas à presença de um juiz?
Aqui, a prática de atuação no processo penal brasileiro explica: as audiências de custódia, embora existentes após estudos do Conselho Nacional de Justiça principalmente dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aos quais o brasil é signatário, têm, por objetivos, aqui tratados de forma resumida, evitar práticas de abuso de autoridade pelos agentes públicos responsáveis pela prisão e o encarceramento cautelar de pessoas que não representem risco à comunidade.
Com isso, embora alguns órgãos do Poder Judiciário, a exemplo do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo[2] – Obs: resolução própria não predispõe sobre custódia decretada por magistrados, mas seguem realizando -, estarem realizando audiências de custódia em razão da decretação de prisão preventiva, elas, na prática, pouco de eficácia possuem no tocante ao juiz rever sua própria decisão ordenando a revogação da medida extrema, isso tudo pelo fato de que ela ocorre de forma rápida, não tendo o acusado tempo suficiente para demonstrar, via de um defensor, a desnecessidade de sua custódia. Assim, se convencer pela revogação da prisão, durante a instrução do processo, o mesmo magistrado que a decretou, já é um ato difícil, inevitável reconhecer que, após um único dia da assinatura do mandado, sem qualquer tempo para estudo e juntada de provas, o acusado consiga fazer o juiz rever seu posicionamento. Em outras palavras, realizar audiências de custódia em razão de prisões cautelares decretadas por juízes de direito, não faz o mínimo sentido para a finalidade precípua de verificar sua necessidade, haja vista que tais audiências seriam importantes apenas para verificar se os agentes responsáveis pelo cumprimento do mandado não fugiram da legalidade em suas atribuições.
Como reforço de nossa argumentação, imperioso citar a Teoria da Dissonância Cognitiva, que já esclareceu que o magistrado, ainda que de forma inconsciente, tende, durante tal audiência de custódia, prestigiar apenas os elementos que o fizeram decretar a prisão, minimizando quaisquer outros trazidos de “supetão” pela defesa.
Na obra: Estudos Avançados de Direito Militar II, Editora Rideel, São Paulo/2022, William de Castro Alves dos Santos, sustenta:
(…)
Conforme o regramento do CNJ – Res. 213, a audiência de apresentação do preso em flagrante terá dupla finalidade: a primeira (protetiva), consiste na tutela de sua integridade física; a segunda (meritória), impõe a aferição da necessidade da prisão do autuado. Diversamente, a resolução não é explícita sobre as finalidades da audiência de custódia do preso por mandado de prisão temporária, preventiva ou mesmo definitiva (por condenação criminal transitada em julgado). Contudo, por questão de lógica, em tais casos o ato terá como finalidade única (protetiva) a preservação da integridade física do preso, sendo inconcebível ingresse o magistrado da audiência no mérito da necessidade da prisão por mandado, a fim de revogá-la.
Isso porque, seria totalmente incoerente o fato de um mesmo juiz (parágrafo único[3], do artigo 13, da Resolução 213/2015 do CNJ), reconhecendo o “perigo da liberdade” do sujeito, decretar sua prisão temporária ou preventiva e revogar a sua própria decisão tão logo cumprida a ordem, sem qualquer alteração fática ou produção de novas provas.
Em verdade, ainda que a audiência de custódia seja realizada por juiz diverso daquele que ordenou a prisão cautelar, não caberá ao magistrado que fizer a audiência, por exemplo, modificar a decisão do juiz que decretou a prisão temporária ou preventiva proferida fundamentadamente, tendo em vista que as duas autoridades estarão em igual plano hierárquico.
Nesse mesmo diapasão seria a hipótese em que, cumprido o mandado de prisão por força de condenação criminal definitiva, e efetivada a apresentação do preso ao juiz em 24 horas, viesse o magistrado de 1ª instância em audiência a desconstituir a “coisa julgada”, que impôs ao sentenciado pena privativa de liberdade em regime inicial fechado, concedendo liberdade ao preso.
Na prática, os Tribunais pátrios divergem em relação a adoção de audiências de custódia no caso de cumprimento de mandados de prisão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, adota audiências de apresentação somente em casos de prisão em flagrante, dispensando tal prática após cumprimento de mandados de prisão. Já o Tribunal de Justiça Militar Bandeirante, realiza as referidas audiências em todas as hipóteses de prisão.
Em arremate, vale considerar que se o grande propósito das audiências de custódia é a redução da população carcerária provisória, e se a concessão da liberdade só tem cabimento, ordinariamente, na audiência ocorrida após a prisão em flagrante, parece contraproducente a realização desta audiência solene – que movimenta policiais, juízes, defensores, promotores de justiça, servidores, etc – por decorrência do cumprimento de mandado de prisão cautelar ou definitiva, apenas para verificação da finalidade protetiva.
(…)
Em resumo, evidente que nem com a longínqua hipótese de se regulamentar as audiências de custódia em todos os juízos a situação do necessário contraditório estaria resolvida.
Por falar em contraditório nessa fase judicial, Ferrajoli preceitua:
(…)
Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entra as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmo poderes da acusação; em segundo lugar, que o papel contraditor seja admitido em todo estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações jurídicas e das periciais ao interrogatório do imputado, do reconhecimento aos testemunhos e acareações.
(…)
Pacelli, ao analisar o tema, descreve:
(…)
Embora possa parecer uma contradição em termos, não há nenhuma incompatibilidade entre a aplicação de medidas cautelares e o contraditório anterior à respectiva decretação. Naturalmente, tudo dependerá da modalidade da cautelar e do risco à sua efetividade. A prisão preventiva, por exemplo, poderia ser frustrada se antecipada ao investigado a sua decretação. É que não bastam indícios da autoria e da materialidade da infração; devem estar também presentes os riscos à efetividade da investigação ou do processo, segundo o disposto no artigo 282, I (como substitutiva de outra cautelar) e artigo 312 (como medida autônoma), ambos do CPP. Assim, se de fato presentes tais situações, o contraditório para a sua aplicação poderia frustrar a efetividade da medida. Também nos parece ser esse o caso das medidas previstas no artigo 319, II e III (proibição de acesso a lugares e de contato com pessoas), bem como do inciso VI (suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira) e VII (internação provisória no caso de inimputabilidade ou de semi-imputabilidade). Nessas hipóteses, a própria Lei alude ao risco de reiteração criminosa. Fora desses casos, porém, nada impedirá a participação prévia do investigado ou processado na decretação da medida. Aliás, pelo contrário, será ela (participação) recomendável, de modo a que se esclareça ao máximo a necessidade de proteção à investigação ou ao processo. Também nesse campo deve ter voz o princípio da ampla defesa.
(…)
A sustentação de Pacelli, em relação à decretação da prisão preventiva, parece dar força ao entendimento daqueles que apenas analisam parte a norma. Para nós, pesquisadores, com a profundidade que o tema exige, nada passa despercebido. Decretando-se a medida extrema, é direito do preso responder diretamente à acusação que causou a custódia, sob pena de ferir os mais caros predispostos de direitos humanos fundamentais.
Não podemos esquecer que a hipótese de ofertar o direito de manifestação à parte contrária (acusado) também diz respeito ao objetivo final de qualquer processo: a verdadeira justiça!
Nesta senda, o saudoso jurista Luiz Flavio Gomes e Ivan Luís Marques sustentaram[4]:
Ouvir a parte contraria (leia-se o imputado) significa abrir, para o juiz, a possibilidade de maior acerto na medida decretada. O contraditório ora determinado pela lei parece burocrático, mas, na verdade, é ele que vai iluminar a decisão do juiz, na sua tarefa de fazer justiça.
Aury Lopes Júnior[5], ao contrário do que sustenta William de Castro Alves dos Santos – posição postada neste artigo, logo atrás – defende que após a decretação da prisão preventiva o juiz deve imediatamente aprazar uma audiência para ouvir o imputado, possibilitando ao mesmo exercer no mínimo o direito ao contraditório quanto a (des)necessidade da medida.
Nesse caso, segundo Giacomolli[6], o direito a audiência previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos[7] é um desdobramento do direito a ampla defesa e do contraditório, uma vez que, nessa solenidade, o preso poderia expor suas razões defensivas, para que após, o juiz reavaliasse o caso, decidindo pela manutenção da prisão ou pelo deferimento da liberdade.
Em resumo, para nós, respeitando o entendimento dos eminentes estudiosos (Lopes Jr e Giacomolli), que sustentam que a audiência de custódia seria a saída para o contraditório na prisão preventiva, preferimos nos filiar ao pensamento de William de Castro Alves dos Santos. A prática mostra que o mesmo juiz que decretou a prisão, ou ainda, juiz atuante na mesma instância daquele que expediu o mandado, não irá mudar seu posicionamento somente pela razão do preso ter sido trazido à sua frente em audiência, até porque a normatização das audiências de custódia não prevê hipóteses de exercício do direito de acusar pelo Estado e, assim, sendo, também não prevê o exercício da ampla defesa com todos os seus recursos.
Com isso, desculpando-nos pela acidez na narração da verdade, o que verificamos todos os dias nas varas criminais, principalmente em grandes centros urbanos – haja vista o excesso de custodiados -, são audiências rápidas, com pouca atenção por parte da magistratura e do ministério público, quase sempre acompanhadas pela defensoria pública, onde apenas se pergunta ao preso se sua integridade física foi preservada no momento da prisão e “ouve-se”, sua defesa (particular ou pública), que, até pelo tempo exíguo oferecido (menos de vinte e quatro horas), acaba apenas por lançar mão de argumentos simples no tocante a ser ou não hipótese de conversão da prisão em flagrante em preventiva.
Em verdade, em que pese os tribunais superiores sustentarem que não basta a gravidade do crime para a mantença da custodia cautelar, a regra é: o crime é grave – aqui se analisa apenas a quantidade máxima de pena prevista -, converte-se o flagrante em preventiva.
- Considerações finais e proposta de mudança legislativa
Como já dito anteriormente, pelas razões sustentadas, não entendemos que a realização de audiência de custódia após decretação de prisão preventiva seja producente. De outro bordo, sustentar apenas que o Poder Judiciário cumpra nosso código processual penal oferecendo o quinquídio para manifestação do aprisionado e sua defesa, também não nos parece salutar.
Acreditamos que a forma “mal escrita” do referido artigo, aliado ao ainda sistema processual inquisitorial existente é a razão para que praticamente inexista contraditório e ampla defesa em relação à custódia cautelar ordenada por juiz.
Da mesma forma, entendemos que cinco dias para manifestação do acusado/sua defesa, diante de um sistema carcerário desumano, caracterizado pelo Supremo Tribunal Federal como um “estado de coisas inconstitucional”[8], é muito tempo. Só quem conhece de perto nossas prisões tem a verdadeira noção do quanto degradantes e ilegais são. Minutos a mais dentro dessas muralhas tendem a representar a vida ou a morte.
Prazo razoável, ao nosso humilde ver, que atende inclusive o predisposto na alínea “c” do inciso 2º do artigo 8º da CADH[9], são 48 (quarenta e oito) horas, contadas da data/hora da intimação judicial, tendo o juízo, para analisar o pleito, o mesmo período.
Desta feita, a sugestão de nova redação para o § 3º do artigo 282 do Código de Processo Penal, segue adiante:
- 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional.Nos casos específicos de decretação de prisão cautelar por ordem judicial, o juiz, em até um dia do cumprimento do mandado, para fins de contraditório, cumprirá o determinado neste parágrafo (intimação do preso), para que se manifeste via de defesa técnica em até 48 (quarenta e oito) horas. A defensoria pública deverá realizar tal manifestação tão logo o preso informe não possuir defensor particular. Recebendo a manifestação, o juiz deverá analisar e decidir, pela manutenção ou não da custódia, no mesmo período.
- Referências
GIACOMOLLI, Nereu José. Processo Penal Contemporâneo em Debate, Ed. Tirant Lo Blanch, ano 2011, Tomo 5, pág. 92/105.
GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo: Marcial Pons, 2013
GOMES, Luiz Flávio; MARQUES, Ivan Luís. Prisão e medidas cautelares. Comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
LOPES JR., Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Volume I. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
PACELLI, Eugênio; COSTA, Domingos Barroso da. Prisão preventiva e liberdade provisória. A reforma da Lei nº 12.403/11. São Paulo: Atlas, 2013.
NOTAS:
[1] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jan-07/renato-furtado-prisao-preventiva-contraditorio-regra
[2] Disponível em: https://www.tjmsp.jus.br/resolucao-no-042-2016-2/
[3] Art. 13. (…)
Parágrafo Único. Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.
[4] GOMES, Luiz Flávio; MARQUES, Ivan Luís. Prisão e medidas cautelares. Comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 76.
[5] LOPES JR., Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 16
[6] GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 30
[7]Artigo 7º – Direito à liberdade pessoal – 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
[8]Em 2015, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347, o STF considerou a situação prisional no país um “estado de coisas inconstitucional”, com “violação massiva de direitos fundamentais” da população prisional, por omissão do poder público.
[9]Artigo 8º – Garantias judiciais – 2.Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;