Por: João Carlos Campanini
O texto que propus juntar a este importante compêndio para a nossa amada área do Direito Militar diz respeito à sustentação de reconhecimento de atenuante específica que por longa data tenho feito nas lides sob minha administração na Justiça Militar Estadual paulista.
Embora não me canse de sustentá-la todas as vezes que o caso comporta (hipótese de provável condenação), pouquíssimas foram as vezes que tive tal pleito acatado pela magistratura togada da casa, e pasmem, nenhuma vez pelos juízes militares componentes dos Conselhos de Justiça (Permanente e Especial).
Em segunda instância, a situação é pior, em meus mais de quinze anos de atuação quase que diária na Corte, não vi, sequer uma vez, aceitação do pleito pelos magistrados que tem por função e obrigação, na Justiça castrense local, preservar a disciplina da tropa e o acatamento às leis penais e processuais penais militares – “são eles os guardiões das leis militares em nosso Estado”, eis que, na organização judiciária nacional, não há previsão de que os recursos oriundos de suas decisões sejam julgados por uma corte de nível infraconstitucional especializada, a exemplo do Superior Tribunal Militar, competente tão somente para julgar civis e militares da união.
A atenuante que me refiro trata-se do meritório comportamento anterior do acusado militar, prevista no inciso II do artigo 72 do Código Penal Militar, o Decreto-lei nº 1001, de 21 de outubro de 1969, in verbis:
Art. 72. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I – ser o agente menor de vinte e um ou maior de setenta anos;
II – ser meritório seu comportamento anterior (negrito nosso);
III – ter o agente:
- a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
- b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
- c) cometido o crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
- d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime, ignorada ou imputada a outrem;
- e) sofrido tratamento com rigor não permitido em lei.
Jorge Cesar de Assis, Promotor do Ministério Público Militar aposentado e doutrinador da área do Direito Militar, explica em sua obra: Direito Militar – Aspectos Penais, Processuais Penais e Administrativos, Editora Juruá, 2ª edição, 2009, que apesar de pertencerem a ramos distintos, existe um inegável entrelaçamento entre as normas de Direito Administrativo e as de Direito Penal Militar, com influência recíproca entre ambos.
O referido estudioso cita a repercussão dos maus antecedentes do réu (punição disciplinar por transgressão considerada grave) como causa de revogação obrigatória do sursis (art. 86, inc. III do CPM) e de revogação facultativa do livramento condicional (art. 93, § 1º do CPM e art. 632, “c” do CPPM), sendo ainda motivo para que tenha negada sua reabilitação criminal caso não consiga demonstrar efetivo e constante bom comportamento público e particular (art. 652 do CPPM).
Infelizmente, embora Assis sustente com o total descortino visto acima a utilização acertada dos pressupostos legais que prejudicam o réu por seu comportamento moralmente indevido, quando se refere à utilização do meritório comportamento anterior como atenuante obrigatória prevista na lei adjetiva penal castrense, prefere se filiar, talvez por sua prática de anos na bancada da acusação, àqueles doutrinadores que irei mencionar adiante.
Em suma, o objetivo deste nosso artigo é fazer o leitor entender, do ponto de vista crítico, que não somente o mau comportamento anterior do militar deve ser levado em consideração no processo penal militar.
HISTÓRICO DAS CONDECORAÇÕES E DO COMPORTAMENTO DO MILITAR
Na Obra “Medalhas” da Secretaria Geral do Exército Brasileiro[1], as condecorações ou “Moedas de Honra” são instrumentos destinados a recompensar moralmente o mérito, em suas variadas manifestações, tanto na esfera civil quanto na militar.
As condecorações surgiram na antiguidade. Estima-se que as mais antigas remontem ao Egito do tempo dos faraós. Gregos e romanos manifestavam recompensa por intermédio de práticas como a Coroa, a Ovação e o Triunfo. Essas práticas foram substituídas pelas condecorações, que ressurgiram e ganharam grande impulso a partir da criação das Ordens de Cavalaria, na Idade Média.
Durante os períodos do Brasil Colônia e Império, eram comum os prêmios aos méritos na guerra, na política e nas artes serem combinados com a concessão de títulos nobiliárquicos, patrimoniais, vantagens financeiras e condecorações.
Com a Proclamação da República, a maioria dessas práticas foi abolida, tendo permanecido, no entanto, as Moedas de Honra, sob a forma de condecorações, nas modalidades de ordens honoríficas e medalhas condecorativas.
Em nossa pesquisa não conseguimos conhecer o registro da primeira punição militar da história, mas certamente o registro via de assentamentos, documentos aptos a comprovar o comportamento do militar, vem de longe.
As instituições militares, organismos armados à serviço da patria e do próprio povo, têm como bases para sua permanência estável e segura a hierarquia e a disciplina; dessa forma, para manter homens e mulheres nas raias da lei e da ética, é necessário regulamentar as formas de conduta esperadas e as indevidas, registrando, em suas fichas individuais, o histórico profissional de elogios e punições – aqui se forma o comportamento do militar – , que inicia quando de sua entrada na força e segue até a sua morte (caso ainda ostente a condição de militar), eis que em muitos casos militares aposentados continuam sujeitos às normas morais da vida militar.
DOUTRINA ESPECIALIZADA
Infelizmente, pouco temos de doutrina especializada na área em nosso país, e, dessa forma, pouco temos de lições a respeito emanadas por quem realmente dedica sua carreira aos estudos e às lides da caserna, mormente àqueles que atuam na difícil missão de exercer a defesa.
Enio Luiz Rossetto, Juiz do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo – classe magistratura – traz em seu Código Penal Militar comentado, Editora Revista dos Tribunais, 2012, pág. 357, que as circunstâncias atenuantes são legais, genéricas, aplicam-se a todos os crimes e são obrigatórias (g.n), salvo nos casos de pena de morte, em que ao juiz é facultada a sua aplicação.
Em que pese tal autor sustentar a obrigatoriedade prevista em lei do reconhecimento da referida atenuante, sua alegação em relação à aplicação descrita na pagina seguinte de sua obra parece-nos vacilante e contraditória. O autor explica que o assentamento individual do militar é o documento hábil a comprovar seu meritório comportamento anterior e este é de juntada obrigatória nos autos, conforme previsão do artigo 391 do Código de Processo Penal Militar. A contradição vem quando o magistrado escritor sustenta, ao nosso ver, sem fundamentar à sua concretude – requisito objetivo -, que meritório seria apenas o comportamento acima daquele normal, diário, excepcional, relevante, incomum e louvável.
Em sua obra: Código Penal Militar comentado, também da Editora Revista dos Tribunais, 2013, pág. 145, Guilherme de Souza Nucci, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo da classe magistratura, sustenta:
Tratando-se de crime ligado ao dever militar, pode-se constatar o comportamento meritório anterior pela vida pregressa funcional do servidor. Mas não é só. Essa expressão equivale à conduta social, prevista no art. 59 do Código Penal comum, significando o papel do acusado na comunidade, antes do cometimento do crime. Por isso, sejam militares ou civis, deve-se verificar quem era o agente até a data dos fatos, apurando-se elementos positivos ou negativos.
Analisando o entendimento de Nucci, que fez um paralelo com a vida pregressa dos civis na comunidade e aos atos judiciais específicos para fixação da sentença penal condenatória, temos a predisposição do Código Penal adiante reproduzido:
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes (negrito nosso), à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
Aqui temos a principal diferença dos civis para os militares e, mesmo assim, a lei determina que os antecedentes “positivos” dos civis sejam levados em consideração na aplicação da pena, em que pese saibamos que tais antecedentes positivos, na prática, apenas dizem respeito à inexistência de antecedentes negativos (reincidência criminosa), eis que não há, também pelo mesmo predisposto da estrita legalidade, obrigatoriedade de fazer somente o que a lei manda àqueles que não possuem função pública. Para estes, tudo que não é proibido, é permitido, sendo “ficha limpa” todo aquele que não possua punição anterior definitiva.
O mesmo não ocorre com os militares; estes possuem mais que o registro “ficha limpa” da população comum, eles possuem registros de seus feitos gloriosos, tudo com base na predisposição de seus códigos de ética, muitos ainda denominados regulamentos disciplinares, verdadeiros trilhos em que tais profissionais devem seguir na busca da melhor forma de efetivação do serviço público.
Em suma, em que pese Nucci não tenha se aprofundado no tema fazendo a diferenciação do profissional civil do militar como ousamos explicar neste tópico, resta cristalino seu entendimento de que vida pregressa importa e muito para se diferenciar pessoas no momento de aplicação de suas penas, não sendo possível nem justo alegar, superficialmente, que não passa de mera obrigação do militar possuir bons assentamentos.
JURISPRUDÊNCIA
Em total discordância com nosso entendimento, o Superior Tribunal Militar, nos autos dos embargos de declaração nº 0000008-61.2009.7.03.0203 – DF, julgado em 28.06.2012, por votação unânime do Plenário, rel. Artur Vidigal de Oliveira, assim decidiu:
Para se beneficiar da atenuante de comportamento meritório na dosimetria da pena, é necessário que o acusado tenha realizado condutas excepcionais não obrigatórias ou com risco de vida, não sendo suficientes, para a sua caracterização, as meras referências elogiosas por participação em atividades rotineiras da caserna.
Data máxima vênia, observa-se negativa de fundamentação concreta na referida ementa, uma vez que se furta trazer, especificamente, quais atos seriam reconhecidos como excepcionais não obrigatórios ou com risco de vida, relevando o excerto legal objetivo – obrigatoriedade de aplicação – a caráter extremamente subjetivo e ao bel prazer do julgador.
De antemão, forçoso justificar o reconhecimento de ato excepcional não obrigatório diante da legalidade estrita do ato administrativo, uma vez que, aos administradores públicos – e militares o são – só é permitido fazer aquilo que a lei determina, portanto, seus atos profissionais são sempre obrigatórios.
Quanto a condutas anteriores realizadas “com risco de vida”, em que pesem os militares das Forças Armadas, em algumas funções típicas de caserna, trabalharem em atividades com menor risco de lesões que possam ocasionar a morte, essa alegação não pode ser usada para analisar o mister dos militares estaduais e dos militares federais que tenham atuado em missões reais típicas de preservação e mantença da segurança pública, com risco de ataques iminentes e diários pela criminalidade, até porque, os militares são os únicos profissionais que juram proteger a pátria com o sacrifício da própria vida.
Demonstrando que o tema não é novo e com a mesma falta de justificativa plausível, tivemos um julgado bem anterior do mesmo STM em sede de embargos de declaração sob nº 1994.01.046829-2/BA, julgado em 18.10.1994 de relatoria do Ministro Raphael de Azevedo Branco, pontuando que elogios e medalhas não são suficientes para caracterizar o comportamento meritório, que se presume de condutas excepcionais.
Aqui, respeitosamente, observamos a negação mais desarrazoada do quanto se prega no ambiente militar. Alegar que até mesmo as medalhas de mérito, consabidas honrarias que já são um meio de diferenciação dos elogios corriqueiros, uma vez que possuem requisitos específicos para sua entrega, também não devem ser suficientes para o reconhecimento da atenuante, para nós é sustentar que tais não passam de “sourvenirs” que servem apenas para enfeitar o fardamento.
Esse entendimento nos entristece ainda mais quando verificamos, como já narrei no início deste artigo, juízes militares (oficiais em função temporária na justiça militar) sustentando, na maioria das vezes acompanhando o voto condutor do juiz de direito presidente, que de fato ter elogios “não passa de obrigação” de todo militar. A pergunta que faço é: se algum dia este mesmo oficial for processado na mesma casa e estiver sendo condenado, ele desejará que sua vida pregressa seja, pelos militares mais antigos que estarão julgando a causa, analisada? Ele entenderá como importante lançar mão das histórias de sucesso que teve em toda sua carreira em prol da causa pública? Fica a reflexão, pois as vezes é necessário se colocar no lugar do réu para bem entender o que é de fato para ele – que é o destinatário direto do processo penal punitivo – o senso de justiça.
ENTENDIMENTOS JUDICIAIS ESPARSOS
Durante os anos que atuamos na justiça militar, especificamente na corte castrense bandeirante, ouvimos inúmeros entendimentos dos magistrados ao votarem nosso pleito de reconhecimento da atenuante do comportamento anterior meritório do réu.
Neste tópico, traremos algumas das “respostas” que recebemos dos operadores do direito responsáveis por aplicar a lei penal militar aos nossos honrados e sofridos policiais militares da força pública paulista.
A primeira alegação e a mais corriqueira delas, acompanha os entendimentos da doutrina e da jurisprudência lançados nos itens anteriores, arrazoando suas decisões no fraco argumento de que para que se reconheça tal atenuante não bastam elogios nos assentamentos individuais, sendo necessário “algo além. O que nunca se conseguiu explicar, para que a fundamentação seja corretamente justificada, é objetivamente o que seria reconhecido como algo “além” do comum. Por vezes, questionando os magistrados se o algo além seria uma promoção por ato de bravura, por exemplo – sem descurar o fato de que embora a lei dessa promoção ainda esteja em vigor, há anos a PM de São Paulo não promove um militar em vida – não obtive resposta.
Outras vezes, questionando se as láureas do mérito pessoal, previstas em cinco graus e somente entregues a poucos policiais militares por feitos que já são diferenciados dos elogios corriqueiros seriam capazes de demonstrar um comportamento moralmente elogioso, também não obtive respostas.
A segunda alegação para se negar o pleito foi sustentada por um magistrado togado, respeitado e com longa carreira na casa. Para ele, que também é funcionário público, a realização de seu trabalho conforme a lei manda e para isso é pago, não deve representar mais do que sua obrigação.
O referido juiz, para tentar fundamentar seu entendimento, fez um paralelo com sua função de julgar as ações penais em 1ª instância, narrando que não deve ser elogiado nas vezes em que suas decisões forem mantidas pelos órgãos judiciais de instância superior após recursos da parte sucumbente.
Entendemos que a analogia do trabalho dos réus daquela Auditoria com o trabalho do magistrado seria plausível e perfeita, se não fosse por uma razão: os réus são militares, o juiz não. Militares são funcionários públicos diferenciados, possuem deveres que jamais outra categoria de funcionário público terá. Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; ele não possui inúmeros direitos trabalhistas e ainda conta com a espada da justiça comum (como qualquer cidadão) e a da justiça militar sobre sua cabeça, além de regulamentos disciplinares – códigos de ética – com rigores excessivos que alcançam inclusive sua vida privada, até a morte.
Outra alegação descabida ao nosso entender e talvez a que mais apresente conflito com a justiça foi, por mim, ouvida – felizmente – apenas uma vez.
Certa feita, um determinado magistrado militar (em função temporária no escabinato), embalado por manifestação ministerial no mesmo sentido, sustentou que, naquele momento, por estar condenando o réu, impossível entender que seu comportamento anterior é meritório, já que o crime ali julgado, de mérito, nada tinha. Ao que tudo indica, o desconhecimento da ciência jurídica pelo referido oficial – já que para compor os conselhos de justiça não é necessário formação em direito – muito pesou naquela balança.
Quando o legislador previu a necessidade e registrou a obrigatoriedade de utilizar a vida profissional pregressa do militar para fins de atenuar-lhe a pena quando não fosse hipótese de absolvição, obviamente essa previsão de analisar o comportamento meritório anterior não seria para alcançar o fato em julgamento, mas atos elogiosos havidos até a data do referido fato criminoso.
A DOSIMETRIA DA PENA NO DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR
Consabido é que todas as forças (armadas e policiais/bombeiros militares) estão sob a égide de normas que regulam a hierarquia e a disciplina, pilares de toda instituição militarizada.
A maioria das instituições ainda conta com essas regras editadas via de regulamentos, algumas inclusive com ausência de lei específica para tanto; outras, mais avançadas no estudo do direito administrativo disciplinar, já contam com códigos de ética, leis específicas desenvolvidas pelo Poder Legislativo.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo, instituição que tem seus integrantes julgados pela Justiça Militar bandeirante, normatiza a deontologia de sua força via da Lei Complementar Estadual nº 893, de 09 de março de 2001, o denominado, embora de forma atécnica, Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Tal norma, que traz inúmeros artigos sustentando a forma que o militar do estado deve se portar, 24 horas por dia, prevê:
(…)
Artigo 33 – Na aplicação das sanções disciplinares serão sempre considerados a natureza, a gravidade, os motivos determinantes, os danos causados, a personalidade e os antecedentes do agente (g.n.n), a intensidade do dolo ou o grau da culpa.
(…)
Artigo 35 – São circunstâncias atenuantes:
I – estar, no mínimo, no bom comportamento (n.n);
II – ter prestado serviços relevantes (n.n);
III – ter admitido a transgressão de autoria ignorada ou, se conhecida, imputada a outrem;
IV – ter praticado a falta para evitar mal maior;
V – ter praticado a falta em defesa de seus próprios direitos ou dos de outrem;
VI – ter praticado a falta por motivo de relevante valor social;
VII – não possuir prática no serviço;
VIII – colaborar na apuração da transgressão disciplinar.
Artigo 36 – São circunstâncias agravantes:
I – mau comportamento (n.n);
II – prática simultânea ou conexão de duas ou mais transgressões;
III – reincidência específica (n.n);
IV – conluio de duas ou mais pessoas;
V – ter sido a falta praticada durante a execução do serviço;
VI – ter sido a falta praticada em presença de subordinado, de tropa ou de civil;
VII – ter sido a falta praticada com abuso de autoridade hierárquica ou funcional.
(…)
Artigo 41 – Na aplicação das sanções disciplinares previstas neste Regulamento, serão rigorosamente observados os seguintes limites:
I – quando as circunstâncias atenuantes preponderarem, a sanção não será aplicada em seu limite máximo;
II – quando as circunstâncias agravantes preponderarem, poderá ser aplicada a sanção até o seu limite máximo;
III – pela mesma transgressão não será aplicada mais de uma sanção disciplinar.
(…)
De tudo o quanto nos interessa da análise de tais artigos da LDPMESP, evidente que a aplicação da pena segue forte impacto da vida pregressa do militar, podendo ser mais gravosa na hipótese de comportamento desviante do predisposto ou atenuada caso o punido tenha comportamento anterior meritório.
A inserção desses predispostos legais obrigatórios na norma nos faz entender que a instituição dá o merecido valor que cada ato correto, justo, benigno e elogioso deve ter. Para ela, cada menção de ato elogioso no assentamento do militar representa uma história de sucesso, como uma vida salva, um perigoso criminoso retirado da sociedade ou até mesmo na entrega de um bem recuperado ao proprietário que, com tanto sour, por ele batalhou. Medalhas, para a instituição, não servem apenas para abrilhantar o fardamento e, assim sendo, devem servir de base para a dosimetria da pena a ser aplicada ao militar faltoso, uma vez que justiça é dar a Cesar o que efetivamente deve ser de Cesar.
A PÁ DE CAL NA QUESTÃO – A NOVEL DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Em que pese este causídico sustentar o entendimento aqui esposado em todos os recursos que desafiam as condenações criminais militares de seus clientes, os tribunais superiores, talvez por inexistência de uma jurisprudência pacificada da questão – ou para quem entenda – pacificada na negativa da predisposição legal, nunca se inclinaram a reconhecer tal direito ao condenado militar, até o julgamento do Habeas Corpus nº 196.615/DF, julgado em 2022, com relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
Na ocasião, a corte assim entendeu:
(…)
Trata-se de writ substitutivo de revisão criminal.
Inicialmente, registro que, conquanto esta Corte admita o manejo de habeas corpus como substitutivo de revisão criminal, a ela não compete o conhecimento do pedido revisional de forma inaugural. É dizer: não compete ao Supremo Tribunal Federal rever, diretamente, sentença penal condenatória transitada em julgado.
É verdade que, em casos de manifesta ilegalidade, tais entendimentos podem ser flexibilizados, inclusive com a concessão da ordem de ofício.
É, em parte, o caso dos autos.
(…)
Nos termos do art. 72 do Código Penal Militar, são circunstâncias que sempre atenuam a pena: “Circunstância atenuantes
I – ser o agente menor de vinte e um ou maior de setenta anos;
II – ser meritório seu comportamento anterior;
III – ter o agente:
- a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
- b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
- c) cometido o crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
- d) confessado espontâneamente, perante a autoridade, a autoria do crime, ignorada ou imputada a outrem;
- e) sofrido tratamento com rigor não permitido em lei. Não atendimento de atenuantes”
Como visto da dosimetria, o paciente é primário, não ostenta quaisquer antecedentes penais e não há elementos que autorizem juízo negativo quanto à sua personalidade.
Além disso, como atestam os certificados juntados aos autos (eDOC 4), fora admitido na Ordem do Mérito Brasília, em reconhecimento aos relevantes serviços prestados ao Povo e ao Governo do Distrito Federal (p. 1), recebera a Medalha Comemorativa ao Bicentenário da Polícia Militar do Distrito Federal, em honra ao mérito pela notável contribuição para o engrandecimento da Corporação (p. 2), recebera a Medalha do Mérito Alvorada, em reconhecimento ao modo relevante com o qual tem contribuído para o progresso do Distrito Federal (p. 3), dentre outras homenagens que comprovam fazer jus à atenuante em análise.
Sendo assim, em observância à regra contida no art. 73 do CPM, entendo razoável e proporcional, com base nas circunstâncias aqui reproduzidas, a incidência da atenuante prevista no inciso II do art. 72 do mesmo diploma à razão de 1/4.
Diante da presença do requisito objetivo constante do art. 84, “caput”, do CPM, oficie-se a origem para que avalie a possibilidade de suspensão condicional da pena.
Ante todo o exposto, concedo parcialmente a ordem de habeas corpus apenas para reconhecer a incidência da agravante prevista no art. 72, inciso II, do Código Penal Militar, à razão de 1/4.
Publique-se.
Comunique-se.
Brasília, 25 de março de 2022.
Ministro GILMAR MENDES
Relator
Documento assinado digitalmente
Embora o eminente Ministro não tenha, de forma pormenorizada. demonstrado a obrigatoriedade do reconhecimento da atenuante, entendemos que tal decisão, derivada de corte constitucional, ex officio, em sede de habeas corpus substitutivo de recurso de revisão criminal, dada a coisa julgada do processo em testilha, ganha destaque e deve servir de paradigma para alterar o entendimento do Poder Judiciário desde sua base.
É da hermenêutica jurídica que a lei não contém palavras inúteis (verba cum effectu sunt accipienda). Desta feita, não haveria razão para se incluir uma normatização afeta ao direito administrativo disciplinar militar se ela não fosse plausível, razoável e acima de tudo, justa.
CONCLUSÃO
Chegou a hora do meritório comportamento anterior do réu, durante aplicação de sentença condenatória na justiça militar ser definido por critério objetivo e sem divagações.
Sabemos que os militares possuem assentamentos individuais que consistem em registrar, desde o início de sua atividade na força, sua sujeição ou não aos ditames da disciplina.
Assim, todo militar possui em sua “ficha pessoal” registros de elogios e punições, devidamente enumerados e datados.
Para nós, é obrigatório ao juízo reconhecer a atenuante do meritório comportamento anterior sempre que um militar possua, em seu assentamento, maior número de elogios em detrimento do número de punições. O critério precisa ser objetivo, sem elucubrações.
Tendo ele maior número de elogios em seus assentamentos em período anterior ao cometimento do crime pelo qual está sendo condenado, faz juz ao reconhecimento da atenuante. É a lei que previu esse direito – negar-lhe, estaremos em cristalina ilegalidade.
Não é razoavel que dentro de uma justiça especializada, única, com lei adjetiva específica, aspectos sérios da vida em caserna sejam desprezados e a lei seja desrespeitada somente pelo fato de beneficiar um condenado. Não reconhecer a vida pregressa do militar para fins punitivos é sepultar doutrinas milenares das institucionais militarizadas.
Cansamos de ver o mau comportamento anterior do militar ser utilizado pela acusação para agravar-lhe a pena, em que pese essa hipótese não ser, ao contrário do bom comportamento, prevista em lei.
Em se tratando de justiça especializada que sustenta, embora discordamos dessa afirmação, existir para proteger a corporação e manter a disciplina e a correção das atitudes da tropa, não é razoável que apenas utilize aquilo que pode prejudicar o acusado.
Toda sentença, para ser justa, precisa ser precisa e específica, analisando as circunstâncias dos fatos, o grau da culpa, a necessidade da punição, seu caráter reparatório e, sobretudo, seu caráter exemplificativo, devendo, no caso que aqui discutimos, não servir somente para que o militar punido e seus companheiros de farda tenham medo do peso da espada da justiça e busquem não cometer os mesmos fatos no futuro.
Ela serve também para que todos saibam que ser um militar correto, respeitado, agraciado e bem avaliado pelos seus comandantes e comandados, tem seu valor.
NOTA:
[1] Pesquisável em: http://www.sgex.eb.mil.br/images/medalhas/Medalhas/livromedalhas/LIVRO%20MEDALHAS%20-%20interativo2.pdf